Fotos: Beto Albert (Diário)
A corrida em protesto e defesa das mulheres esportistas de Santa Maria levou cerca de 400 pessoas para duas das principais avenidas do Bairro Camobi na noite desta quarta-feira (18). A iniciativa foi criada após o aumento dos casos de assédio e importunação sexual contra as mulheres que correm pelas ruas da cidade. O trajeto de aproximadamente 4km foi marcado por pedidos de "basta" por parte das mulheres.
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Por volta das 19h30min, o estacionamento do Peruzzo Centro Comercial, localizado na Avenida Prefeito Evandro Behr, já estava em clima de concentração. A comandante da Patrulha Maria da Penha em Santa Maria, Capitã Camila Wilke, ressaltou sobre a importância de formalizar as denúncias nestes casos:
— Precisamos ter essa mudança de conduta, levar à tona, fazer o registro, reclamar. Ter o direito de dizer ‘eu sou mulher e tá me incomodando, não interessa o que você está pensando, me incomodou e ponto’. É mais que importante que essa corrida e esse tema fiquem frequentes em Santa Maria, afinal, a corrida é um esporte que tá aí para ficar. [...] Não cabe mais as mulheres terem de escolher o melhor lugar, o melhor horário ou precisarem estar acompanhadas para se sentirem seguras. Por isso a denúncia se faz tão importante, porque hoje você sofreu uma importunação, mas amanhã pode ser sua filha, sua irmã ou sua colega.
Logo depois, a chefe da 9.ª Delegacia da PRF, Ana Cristina Londe, compartilhou alguns índices que mostram o atual cenário de violência contra as mulheres no Brasil: o país é o quinto do mundo em feminicídios de mulheres cis; o primeiro do mundo no ranking de assassinatos de mulheres trans e o quarto do mundo em registro de casamento infantil. Ela ainda deixou um conselho para os homens que participavam da ação:
— Abracem essas mulheres no sentido de oferecer ajuda. Sejam testemunhas de uma importunação sexual, tenham responsabilidade coletiva e social por cada mulher, cada criança, cada menina que está aqui presente e que está na nossa sociedade.
Com início às 20h19min, o trajeto de 4 km saiu do estacionamento do Peruzzo em direção ao Arco da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Com gritos, aplausos e pedidos de ‘basta’, os participantes percorreram a faixa do meio da Avenida Evandro Behr e da Avenida Roraima. O percurso durou cerca de 37 minutos.
Às 20h57min, todos estavam de volta ao estacionamento com o sentimento de união e dever cumprido.
Relatos que despertam medo e insegurança
Um levantamento realizado pela Adidas em 2023 mostra que 92% das mulheres não se sentem seguras quando saem para correr na rua. Deste número, 51% afirmam que têm medo de serem atacadas fisicamente. Daquelas que afirmaram já terem sido assediadas durante a atividade física: 56% receberam atenção indesejada; 55% comentários sexistas ou atenção sexual indesejada; 53% ouviram buzinas e 50% deles foram seguidas.
A ideia de criar a campanha nasceu da GoFit Assessoria Esportiva, mas a queixa do aumento dos relatos de assédio foi algo relatado também por outras assessorias do município. Os casos são parecidos: incluem falas constrangedoras, ofensivas e até mesmo perseguição.
Na foto que estampa o cartaz da iniciativa está a administradora Carla Veloso Giane. Para ela, a corrida é uma terapia, local para encontrar os amigos e sair da rotina. Ao compartilhar os relatos, ela torce para que a iniciativa sirva de para os santa-marienses:
— A gente nunca sabe o que vai encontrar na rua, o que vai acontecer. Às vezes passa caminhoneiro que buzina ou tem carro que passa devagarinho para ir nos acompanhando. A gente faz pela nossa saúde, mas é sempre um risco sair de casa, né? Então, ver toda essa galera reunida aqui para em prol dessa campanha é bem emocionante, de verdade. Tomara que isso sirva, né? A gente quer ter a liberdade de poder e vir com a roupa que a gente quiser.
Apesar dos tristes relatos, o sentimento de união traz força para as mulheres que encontraram na corrida o seu momento de paz. O desejo de muitas delas é de que a iniciativa colabore para a redução dos abusos. A enfermeira Etiele Cielo Ritzel, 43 anos, conta que a estratégia para correr em segurança é combinar de sair em grupos, principalmente durante a madrugada.
— É triste, sabe porque tu tá fazendo um esporte que tu adora, que faz um bem para ti, e para mim assim não tem preço, é liberdade. A gente só quer fazer o que a gente gosta e daí tu tem que passar por tanto constrangimento e tanta coisa que é desnecessário sabe? A gente sabe que tem muita gente que não pratica corrida na rua com medo e com medo do assédio. Então, achei muito legal chegar aqui e ver tudo isso, ver que o pessoal pegou junto — relata Etiele, que pratica o esporte há sete anos.
Para Alexandre Tavares, 42 anos, organizador do projeto e sócio proprietário da GoFit, foi emocionante ver a comunidade santa-mariense abraçando a causa. Atualmente, 65% do público da assessoria é formado por mulheres.
— A gente quer segurança para as nossas meninas corredoras para que elas se desenvolvam no seu esporte e também em todas as áreas da vida, né? A gente precisa dar um basta nessa importunação e assédio — reforça.
Com o apoio da prefeitura de Santa Maria, a segurança do evento foi feita por policiais da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Rodoviária Estadual (PRE), e da Brigada Militar (BM). No local, estavam presentes o Secretário de Município de Esporte e Lazer, Gilvan Ribeiro, o reitor da UFSM, Luciano Schuch e o prefeito Jorge Pozzobom, que também participou da corrida:
— Isso é lamentável, inaceitável, inconcebível, inadmissível. Por isso esse movimento hoje, mas ele não para agora. A prefeitura se colocou integralmente à disposição, vamos fazer um monitoramento nos locais onde tem mais casos, por isso é importante fazer os registros. Vamos fazer uma força conjunta com todos os órgãos de segurança. O esporte é muito bacana, isso faz bem. Agora, não podemos ter uma coisa que é tão importante para a saúde com todos esses casos de importunação — explicou
Denuncie
De acordo com o Código Penal, art. 216-A, o assédio sexual é o crime de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Os casos de violações devem ser denunciados por meio dos contatos:
- Brigada Militar – 190
- Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) – (55) 3222-9646
- Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA) – (55) 3222-2858