Caso Gabriel: após dois anos, policiais militares acusados da morte de jovem ainda não foram julgados pelo crime

Nesta segunda-feira (12), a morte de Gabriel Marques Cavalheiro após uma abordagem policial em São Gabriel completa dois anos. O corpo do jovem de 18 anos foi encontrado sete dias depois, em 19 de agosto, submerso em um açude na localidade de Lava Pé. 


Gabriel foi visto pela última vez sendo colocado no porta-malas de uma viatura da Brigada Militar. Os três policiais acusados são réus por homicídio triplamente qualificado na Justiça Comum e estão presos desde então no Presídio Militar, em Porto Alegre. O caso, que está em fase de instrução, ainda não tem data para julgamento. 


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Nesta reportagem, além de recapitular o que se sabe sobre o crime, o Diário também conversou com a defesa da família de Gabriel e dos PMs para entender quais serão os próximos passos do caso:


Quem era Gabriel?

Gabriel ao lado da irmã Soila Marques.Foto: Arquivo Pessoal (Reprodução)

Gabriel Marques Cavalheiro era natural de Guaíba e estava hospedado na casa dos tios, no Bairro Independência, em São Gabriel, para realizar os exames de alistamento militar. Aos 18 anos, ele queria realizar o sonho de prestar serviço militar obrigatório no município, bem como viver na cidade em que, desde criança, passava as férias. Junto tios e primos, foi lá que Gabriel aprendeu a andar a cavalo e gostar dos afazeres do campo.


Pelos amigos e familiares, Gabriel era descrito como um rapaz tímido, mas com facilidade de conquistar amigos. Ele não tinha antecedentes criminais.


Gabriel era filho do encarregado de depósito Anderson da Silva Cavalheiro, 40 anos, e da cuidadora de idosos Rosane Marques, 47 anos. Ele tinha duas irmãs: Bianca e Soila. Todos moravam em Guaíba, Região Metropolitana de Porto Alegre.


Como tudo aconteceu

Por volta das 21h28min do dia 12 de agosto, uma sexta-feira, Gabriel comprou uma bebida alcoólica em uma conveniência do bairro. 


Por volta da meia-noite, uma moradora da Rua Sete de Setembro chamou a Brigada Militar informando que ele estaria tentando entrar na sua casa.


Inclusive, foi a própria moradora, Paula Lima da Silva, que filmou a chegada dos policiais militares no local.



Abordagem

Foto: Reprodução


Segundo testemunhas, Gabriel teria sido atingido por três golpes de cassetete na cabeça durante a abordagem e que teria caído no chão e ficado com o corpo “rígido”. Depois disso, ele foi colocado no porta-malas da viatura. Essa foi a última vez que Gabriel foi visto com vida. 


Na época, os três PMs envolvidos no caso foram afastados de suas funções e as duas viaturas da BM que estavam em serviço na noite do dia 12 de agosto passaram por perícia do Instituto-Geral de Perícias (IGP).


— Em princípio, ele estaria consumindo bebida alcoólica, teria perturbado uma terceira pessoa e tentado entrar em uma residência – afirmou o delegado José Bastos, responsável por conduzir as investigações na época.



Buscas

Na primeira manhã de buscas, no dia 17 de agosto, equipes da Polícia Civil, dos Bombeiros e da própria Brigada Militar se reuniram na região onde o jovem teria sido deixado pela guarnição. O casaco que usava no dia do desaparecimento, uma jaqueta azul com uma lista branca e a marca Nike escrita em um quadrado vermelho, foi encontrado perto do açude, a cerca de 2 quilômetros do ponto onde fora abordado.


Outro indicativo que surgiu durante as investigações foi de que o GPS da viatura da BM registrou uma parada de um minuto e 50 segundos perto do açude, na madrugada de sábado. A partir disso, bombeiros e cães farejadores iniciaram as buscas.



Na sexta, dia 19, uma semana após o desaparecimento, as buscas contavam com barcos, mergulhadores, cães, um drone e um helicóptero da Brigada. Por volta das 16h40min, o corpo de Gabriel foi encontrado próximo à margem do açude. Ele estava vestido, sem algemas, de alpargatas e com o óculos no bolso da calça.


A avó materna de Gabriel, Soilamar da Costa, passou mal ao ver o corpo do neto ser retirado da água.Foto: Mauricio Barbosa (Diário/Arquivo)


O corpo foi sepultado dois dias depois, em São Gabriel. Em nota, Rejane Lopes, advogada da família de Gabriel, diz que a “família, amigos e a comunidade local aguardam por mais esclarecimentos sobre as circunstâncias daquele trágico dia, na esperança de que a justiça seja feita.”

Foto: Eduardo Ramos (Arquivo/Diário)


Os acusados

Os três policiais militares investigados, o 2° sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen e os soldados Cleber Renato Ramos de Lima e Raul Veras Pedroso tinham entre cinco e 16 anos de Brigada Militar. Até então, todos tinham histórico de bom comportamento.


Conforme o canal da Transparência do Estado, o 2° sargento Arleu Júnior Cardoso Jacobsen, ingressou na BM em junho de 2006 e somava 16 anos de atuação.


Já o soldado Cleber Renato Ramos de Lima ingressou na BM em 2007 e tinha 15 anos de atuação. O agente com menos tempo de contribuição na instituição era o soldado Raul Veras Pedroso. Ele ingressou na BM em 2016. Na época, ele somava cinco anos de atuação.


A prisão dos três suspeitos foi determinada às 19h30min de sexta, 19 de agosto, dia em que o corpo de Gabriel foi encontrado. As armas e celulares dos policiais e a viatura usada no dia foram apreendidas para perícia. 


No dia 23 de agosto, a juíza Juliana Neves Capiotti, da Vara Criminal de São Gabriel, decretou a prisão preventiva do trio. Eles foram encaminhados para o presídio militar em Porto Alegre, onde estão desde então. 



Erro no procedimento

Luís Silva da Rosa, corregedor-geral da Brigada Militar, reconheceu que o procedimento que os policiais fizeram durante a abordagem a Gabriel “não foi adequado”. O correto seria o jovem ter sido levado a uma unidade de saúde e, se necessário, à delegacia de polícia da cidade para o registro de ocorrência.

 
No dia 16 de agosto, o corregedor-geral da Brigada divulgou que o que havia sido registrado no boletim de ocorrência não coincidia com o relatado pelos policiais militares suspeitos do crime. Além disso, no dia 31 de agosto, o conteúdo das conversas dos três policiais foi divulgado por reportagem da RBS TV. Parte das conversas teriam sido apagadas, mas foram recuperadas pelo Núcleo de Perícias do Ministério Público (MP).

 
Entre os assuntos, eles questionam se o jovem está morto, se saiu caminhando ou se teria se afogado. Um dia após a abordagem e desaparecimento de Gabriel, o soldado Cléber Renato Ramos de Lima enviou uma notícia sobre o desaparecimento do jovem ao sargento Arleu Júniro Cardoso Jacobsen, que respondeu dizendo que a culpa seria do “gordinho”, referindo-se ao soldado Raul Veras Pedroso, o policial que teria dado o tapa e os golpes de cassetete em Gabriel na noite em que o jovem foi abordado.

Qual foi a causa da morte?

No dia 29 de agosto, 10 dias após o corpo do jovem ter sido encontrado, o laudo que apontou a causa da morte de Gabriel. O resultado foi divulgado em coletiva de imprensa pela cúpula da segurança do Estado, em Porto Alegre.


O exame de necropsia feito por um perito de Santa Maria indicou que a morte foi causada por uma hemorragia interna na região do pescoço, provocada por agressão.



A causa reforça o que duas testemunhas tinham dito em depoimento, de que a vítima teria sido alvo de três golpes de cassetete na região da cabeça na noite que foi abordado. O laudo deu negativo para drogas e achou álcool, mas não havia como precisar quanto Gabriel bebeu, pois as bactérias geram álcool enquanto o corpo se decompõe.


Ainda segundo a perícia, não havia água nos pulmões de Gabriel, o que indica que ele não se afogou. Ou seja, Gabriel já estava morto quando foi deixado no açude.



Policiais negam envolvimento

Só no mês de agosto de 2022, os três policiais prestaram depoimentos em três ocasiões: duas vezes para a BM e uma para a Polícia Civil. Em todas, eles negaram envolvimento no assassinato de Gabriel.


Em novembro de 2022, foi realizada a reconstituição do caso. Após quase 14 horas de trabalho, Conforme a perita criminal Barbará Cabedon responsável por coordenar as ações, afirmou que os três policiais deram relatos praticamente idênticos e negaram qualquer agressão. Leia mais aqui.

O trecho da Rua Sete de Setembro, onde ocorreu a abordagem ao jovem, foi fechada para o trabalho pericial, que durou 14 horas. Foto: Eduardo Ramos (Arquivo/Diário)


Próximos passos

No momento, o caso está em fase de instrução, fase em que é realizada a oitiva de testemunhas, interrogatório dos réus e qualquer outro meio de produção de prova que o juiz julgar necessário. Na terça-feira (13), os réus prestam depoimento no Fórum de São Gabriel.


O procedimento, inicialmente marcado para o dia 8 de maio, teve de ser reagendado por conta da enchente história que atingiu o Estado.  Em nota, Rejane Lopes, advogada da família de Gabriel, diz que "família, amigos e a comunidade local aguardam por mais esclarecimentos sobre as circunstâncias daquele trágico dia, na esperança de que a justiça seja feita."


Mauricio Adami Custódio e Ivandro Bitencourt Feijó são responsáveis pela defesa do segundo-sargento Arleu Junior Jacobsen. "Convictos da inocência dele", os advogados afirmam que quem matou Gabriel está solto. Ainda segundo a defesa, Arleu acredita em Deus e, de uma ou outra maneira, "mentaliza a forma de fazer as pessoas acreditarem na sua inocência."  Leia mais aqui.


Vânia Barreto representa os soldados Raul Veras Pedroso e Cléber Renato Ramos de Lima. Segundo ela, os PMs têm convicção de que serão absolvidos, porque não mataram o jovem. Em entrevista aoDiário, ela conta que a vida da família dos acusados, que ainda residem em São Gabriel, é de "muito sofrimento." Leia mais aqui.


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