Saudade, espera por justiça e rotinas alteradas: acidente com ônibus da UFSM completa um mês

Em cada foto dos álbuns de viagem, o empresário Gésiner Manhago, 46 anos, encontra uma saudade. Roma, em 2009, foi a mais marcante. A sina dele e da esposa era deixar tudo guardado em forma de fotografia. Hoje, mais do que nunca, entende o motivo. Gésiner é marido de Flávia Marcuzzo Dotto, uma das vítimas fatais do acidente com ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que tombou em Imigrante. O fato ocorreu em 4 de abril. Um mês depois, encontra nas fotos a força para seguir diante da ausência deixada pela esposa.

Nos álbuns, recordações e saudade das viagensFoto: Thais Immig

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O casal estava junto há 27 anos. O primeiro encontro foi no curso de Ciências Contábeis da UFSM. Desde então, conforme Gésiner, “foi uma vida fantástica”. Na bagagem, uma coleção de viagens. As mais recentes acompanhadas pelos filhos: Fernando, de 15 anos, e Maria, de 11. O marido conta que as manhãs de domingo tinham, sempre, uma rotina em comum: planejar uma nova rota de viagem:

Nós conhecemos 26 países juntos. Fomos muito felizes. Sem sombra de dúvidas, ela viveu 80 anos em 44. Se existe parte boa nisso tudo, é que ela viveu muito bem. Queria que ela estivesse aqui? Com certeza. Mas onde ela estiver, tem que estar bem. Tem que saber que estamos tocando as coisas aqui. E ela deixou tudo organizado, muito bem estruturado, como era do feitio dela.

Foto: Arquivo pessoal

Os dias após o acidente têm sido dolorosos e de mudanças no cotidiano. Gésiner, que tinha uma rotina de viagens a trabalho, agora se dedica integralmente à família. No apartamento em que residiam em Santa Maria, as fotos, uma luminária que carrega a imagem da Virgem Maria e o gato Botas – adotado por Flávia meses antes – deixam a saudade ainda mais forte. O marido conta que a ausência de Flávia é muito sentida, especialmente pelo filho mais velho. Fernando é um menino autista que sempre teve os cuidados da mãe.

Hoje ele (Fernando) faz praticamente tudo sozinho, muito por conta da Flávia. Ela se dedicou muito para ele. Maria é a que mais está sentindo a ausência porque a mãe era o espelho dela, estavam sempre juntas. Eu tenho tentado deixá-los bem. Tenho certeza que é o que ela quer. 


O olhar doce e o amor pelas plantas

Flávia é descrita pelo marido como uma pessoa de olhar doce, sempre disposta a ajudar. Os planos para o futuro e a rotina eram sempre acompanhados por um chimarrão na mão – características que o marido recorda bastante emocionado.

Foi o amor pelas flores que a levou ao curso de Paisagismo, no Colégio Politécnico. Flávia tinha planos de ter um orquidário na propriedade em Vale Vêneto. O distrito de São João do Polêsine era uma segunda casa para a família. 

Para mim, tem sido bem complicado segurar a barra na frente das crianças. Meu cunhado tem me ajudado muito nisso, o Fernando, que é como se fosse nosso primeiro filho. E a gente vai se apoiando, mas todos os dias é uma batalha. Todos os dias tem picos, de não saber o que fazer. 

Gésiner guarda emoldurado um desenho que fez da FláviaFoto: Thais Immig


“Responsabilidade não se delega”

Em meio ao luto, a espera por justiça. Gésiner conta que tem acompanhado as investigações e tem se organizado para que as perdas não sejam esquecidas. A luta por justiça, será também, pela memória das vítimas:

A única coisa que eu quero é justiça. Responsabilidade não se delega, é só isso que eu digo. Quem é responsável vai pagar, no âmbito da justiça. Não é o momento de eu brigar por nada. O momento é de estar com as crianças, elas precisam e dependem de mim. Eu preciso estar bem para que eles fiquem bem, mas neste momento, eu só quero dizer isso: não será esquecido, estamos nos organizados e na hora certa vamos fazer o que tem que ser feito judicialmente.

Foto: Thais Immig


Relembre o acidente 

Um ônibus com estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) caiu em uma ribanceira de 52 metros de altura, perto do trevo de acesso ao município de Imigrante, na região do Vale do Taquari, na manhã de sexta-feira (4), e deixou sete mortos e 26 feridos. Todas as vítimas fatais eram calouras do curso de Paisagismo do Colégio Politécnico da instituição.

No total, 33 pessoas — estudantes, professoras e o motorista — estavam em uma excursão que faria visita técnica ao Cactário Horst (espaço dedicado ao cultivo de cactos e suculentas), em Imigrante, quando o acidente aconteceu. Uma das teorias da causa do acidente seria falha nos freios. O ônibus pertencia à UFSM, mas o motorista era terceirizado.

O acidente aconteceu a cerca de 850 metros do destino final, entre os quilômetros 3 e 4 da rodovia, pouco antes das 11h. O primeiro chamado que os bombeiros voluntários receberam foi às 10h48min.

Foto: Rogério Schmidt Jr. (Rádio Independente)

As despedidas das vítimas fatais Dilvani Hoch, Fátima Eliane Riquel Copatti, Flavia Marcuzzo Dotto, Janaina Finkler, Marisete Maurer, Paulo Victor Estefanói Antunes e Elizeth Fauth Vargas foram realizadas no sábado em Santa Maria, São Pedro do Sul, Vale Vêneto (distrito de São João do Polêsine), Estância Velha e São Martinho da Serra. Elizeth Fauth Vargas foi sepultada no domingo (6), em Passo Fundo.


Quem são as vítimas fatais 

Dilvani Hoch, de 55 anos – De São Pedro do Sul, Dilvani ingressou neste ano no curso. Amigos e familiares a descrevem como uma mulher com sonho, apaixonada por plantas e aberta aos recomeços – neste ano se mudou para Santa Maria para se dedicar ao Paisagismo e ficar mais perto da filha mais nova, de 20 anos, que cursa Agronomia na UFSM. Ela também deixa o filho mais velho, de 27 anos.

Elizeth Fauth Vargas, de 71 anos – Elizeth tinha 71 anos, ingressou em 2025 no Colégio Politécnico. Sempre interessada por plantas, especialmente orquídeas, estava entusiasmada em cursar Paisagismo, conforme relato da família. Ela deixou duas filhas.

Fátima Copatti, de 69 anos – Mãe, apaixonada por animais e fã de um bom baile gaúcho. É dessa forma que amigos descrevem Fátima, caloura do curso de Paisagismo na UFSM. Ela deixou quatro filhos.

Flavia Marcuzzo Dotto, de 44 anos – Flávia é descrita pela família e amigos como uma mulher cheia de vida e querida por todas. Natural de São João do Polêsine, era gerente de uma das agências do Banrisul de Santa Maria e ingressou no curso técnico de Paisagismo do Colégio Politécnico em março deste ano.

Janaina Finkler, de 21 anos – Natural de Estrela Velha, Jana, como era chamada, era fã de chimarrão e havia ingressado no curso em março deste ano. Era a mais nova entre as vítimas fatais.

Marisete Maurer, de 54 anos – Natural de São Pedro do Sul, é descrita como uma pessoa ímpar e um porto seguro para a família. Era a mais nova de dez irmãos. Deixa o esposo, duas filhas e um neto.

Paulo Victor Estefanói Antunes, de 27 anos – Nasceu em Santa Maria e foi criado na Vila Brenner. Formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Ulbra em 2024. Em março deste ano, ingressou no curso técnico de Paisagismo no Colégio Politécnico. Amigos e familiares lembram dele como um jovem estudioso e amoroso. 


Duas pessoas seguem hospitalizadas 

Um mês após o acidente com ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que tombou no Vale do Taquari, duas pessoas seguem internadas. Em Santa Maria, no Hospital Astrogildo de Azevedo, está Fernanda Gonçalves de Menezes, 45 anos. Em Lajeado, Emerson Andrade dos Santos, 26 anos, segue internado no Hospital Bruno Born. Ambos estão estáveis e sem previsão de alta. 


Inquérito em andamento 

  • A Polícia Civil de Teutônia, responsável pela investigação, já ouviu mais de 30 pessoas – entre eles, o motorista do ônibus, a direção do Colégio Politécnico e a maioria dos sobreviventes. Conforme a polícia, a principal hipótese levantada é a falha nos freios.
Delegado de Teutônia, responsável pela investigação, esteve em Santa Maria em duas oportunidades para coletar os depoimentos Foto: Beto Albert
  • A perícia mecânica feita pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) e divulgada em 30 de abril, apontou uma falha no sistema de acionamento dos freios, causada por desgaste excessivo em uma das rodas. A condição foi classificada como falha de "potencial catastrófico". O relatório também informou que todos os equipamentos de segurança obrigatórios, como cintos de segurança, estavam presentes no ônibus.
  • Uma sindicância interna também foi aberta na UFSM, liderada por dois engenheiros mecânicos. O objetivo é investigar as condições da frota e fazer uma avaliação dos procedimentos da instituição no que diz respeito ao transporte de alunos e professores.
  • Em última manifestação sobre o acidente, o reitor Luciano Schuch, comentou sobre os aspectos identificados no laudo do IGP. Conforme ele, as informações serão usados na sindicância. Schuch ainda reforça que o ônibus passou por uma revisão preventiva em setembro de 2024, feito por uma empresa credenciada, no custo de cerca de R$ 14 mil. “Desde então, o veículo percorreu aproximadamente 10 mil quilômetros até a data do acidente”, disse a instituição em nota.
  • A investigação, por parte da Polícia Civil, segue. O delegado José Romaci Reis afirmou que novos laudos técnicos serão realizados, como no caso do disco do tacógrafo. O dispositivo deve indicar a velocidade do ônibus nos últimos quatro quilômetros de trajeto. A intenção é saber qual era a velocidade quando o veículo começou a descer a serra e qual o pico de velocidade pouco antes de sair da pista e cair no barranco. Reis também estuda a possibilidade de realizar uma nova perícia no ônibus para verificar outras possíveis irregularidades que não puderam ser esclarecidas pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) devido à falta de equipamentos adequados.
  • Até o momento não há definição sobre quem será indiciado no caso, e que ainda faltam ser ouvidos dois motoristas e duas vítimas do acidente.


Ações no Colégio Politécnico 

No dia do acidente – Ainda na tarde de 4 de abril, um Gabinete de Crise foi instalado no Colégio Politécnico. Lá, uma equipe de profissionais estava à disposição para prestar acolhimento a familiares das vítimas do acidente. A Reitoria da UFSM decretou luto, e as aulas foram suspensas.

Terça-feira, dia 8 de abril – Quase 2 mil alunos do Colégio Politécnico retornaram às aulas depois de três dias de luto. A única ausência foi dos alunos do curso de paisagismo, que tiveram as aulas suspensas durante todo o mês de abril.

Uma semana depois do acidente, uma homenagem às vítimas – Uma cerimônia inter-religiosa reuniu dezenas de pessoas em homenagem às vítimas fatais uma semana após o acidente. Familiares e amigos das vítimas, sobreviventes, servidores, estudantes e comunidade em geral estiveram no Largo do Planetário para compartilhar palavras de conforto. O encontro seguiu com uma homenagem simbólica: sete plantas foram colocadas em uma estrutura muito usada no curso técnico de Paisagismo, com o qual as vítimas tinham vínculo. Cada uma das plantas suspensas (nos kokedamas) representa um dos calouros que morreu no acidente.

Foto: Beto Albert

Curso de Paisagismo prepara volta gradual às atividades – Quase um mês depois do acidente, os estudantes do curso se preparam para retomar as atividades acadêmicas. O retorno ocorre, inicialmente, para os alunos do 3º semestre e para aqueles que estão em fase de estágio.Para aqueles que não puderem retomar as atividades, ficam como opções o trancamento total (ou parcial) do curso e a adesão ao regime de exercícios domiciliares.


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