Entre luto e recomeços, sobreviventes e familiares se recuperam de tragédia com ônibus da UFSM

Em uma sexta-feira, 4 de abril, o venezuelano César Vielma chegava mais cedo que o habitual no Colégio Politécnico. Ele e os colegas do curso de Paisagismo tinham uma viagem marcada para Imigrante, onde conheceriam um cactário, em Imigrante, no Vale do Taquari. Quando entrou no ônibus, um assento ao lado do colega Paulo Victor já o esperava.

– Eu e minha galera – (Paulo) Victor, Emerson e Liandra – escolhemos os últimos bancos do ônibus. Gostávamos de ficar sempre juntos – narrou César sobre as horas que antecederam ao trágico acidente com o ônibus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que deixou sete colegas mortos e mais 26 feridos, que ainda se recuperam passados 15 dias do fato. 

Um dia antes, César registrou a companhia dos amigos durante visita da turma em uma floriculturaFoto: Arquivo pessoal

A partida ocorreu por volta das 6h10min. Foram duas paradas antes do destino para banheiro e um café. No ônibus, César recorda que alunos e professores conversavam, olhavam a paisagem pela janela e comentavam sobre as plantas que encontrariam no destino final. Depois de quase cinco horas de viagem, uma das professoras anunciava que faltavam cinco minutos para a chegada.


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Conforme Gabriela Dalcin Marques, 26 anos, faltava uma descida e uma subida para chegar ao destino. Foi no declive, já na cidade de Imigrante, que o ônibus ganhou velocidade. Em seguida, lembra de ter ouvido o burburinho sobre a falta de freio. Alguns tentaram colocar o cinto de segurança. Outros, de acordo com a aluna, não encontraram o equipamento de proteção no assento. Aconteceu tudo muito rápido. Na janela, a paisagem passava cada vez mais rápido:

– Era verde, era mato… Até o momento que eu levanto do banco e levito, depois fui entender que foi porque o ônibus voou de frente. Não sei se eu fechei os olhos ou tive uma perda de consciência, mas, a partir daí, eu não lembro.

O ônibus tombou por volta das 11h

Gabriela acordou na cabine do motorista com outras duas colegas – uma delas não sobreviveu. De imediato, sentiu um líquido muito quente queimando o braço, o que acredita ser a água do radiador. Quando conseguiu sair do ônibus, conforme ela, começou a receber ajuda. As primeiras mãos amigas foram de quem trabalha nos arredores, já que o veículo tombou em uma lavoura de milho – há cerca de 4 quilômetros da entrada de Imigrante. Ela foi uma das primeiras pessoas a serem socorridas e encaminhadas para o Hospital de Teutônia, o mais perto do local do acidente. Lá, ainda recebendo os primeiros atendimentos, conseguiu contato com a mãe Silvana. Por sorte, conta a aluna, lembrava o número de telefone. Do outro lado da linha, o alívio e a preocupação da família diante das notícias que já anunciavam vítimas fatais. Foram oito horas de viagem de Itaqui até o Vale do Taquari, onde a filha recebia atendimento

– Uma enfermeira me ligou, a pedido da Gabi. Ela saiu lúcida do ônibus e me ligou antes que eu visse pela televisão (sobre o acidente). Mas, de qualquer forma, a gente não fica achando que está tudo bem – relembra Silvana.

O caminho até a região do Vale do Taquari foi descrito por Guilherme Camara, 41 anos, como “longo e difícil”. Ele é marido de Denise Estivalete, professora do curso de Paisagismo que acompanhava os alunos até o Cactário Horst. Foram mais de quatro horas de viagem até chegar ao hospital. 

Ninguém está preparado para esse tipo de notícia – afirma Guilherme.


Recuperação, luto e recomeços

Denise foi encaminhada para o Hospital Bruno Born, em Lajeado, e depois transferida para um hospital em Santa Maria. Ela fraturou o ombro, o nariz e a patela – um dos ossos do joelho. Já no corpo, foram diversos hematomas. Após seis dias internada, recebeu alta hospitalar. Em casa, na companhia do filho, Denise se recupera das lesões:

As pessoas dizem que eu tenho uma nova data de nascimento: 04/04. E eu acredito muito nisso, porque tinha tudo para não estar aqui. Estava sentada atrás do motorista e eu bati, várias vezes, o corpo e a cabeça. Agora, estou com esse propósito de melhorar, de cuidar um pouco de mim. Desejo muita força para as pessoas que estão se recuperando. É muito difícil pensar em quem perdemos, nos alunos… Não sei nem se com o tempo... – afirma em vídeo publicado nas redes sociais.

Nas redes sociais, a professora falou sobre a recuperaçãoFoto: Reprodução

Gabriela foi atendida no Hospital Ouro Branco, em Teutônia. Quebrou a clavícula e teve queimaduras no braço. Devido às lesões, foi orientada a repetir os exames e buscar acompanhamento em Santa Maria. Por isso, um dia após o acidente, foi até o Husm. No hospital, esperaram pelo atendimento. Conforme a mãe da aluna, ninguém parecia “saber de nada”. Ela relata ter sentido falta de auxílio:

– O atendimento dos enfermeiros foi maravilhoso, só faltou ter uma equipe só pra nos encaminhar e dizer “sentem aqui que tua filha vai ser bem atendida” porque ficamos perdidas. Eu tive que correr lá dentro do hospital para saber onde eu ia com ela. Nesse meio tempo, achamos outra colega dela, que também estava lá esperando alguém para encaminhá-la ao raio-x. Quem levou ela, fui eu. Falei: “vamos lá, eu sei onde fica”.

Guilherme Moreira, 27 anos, acompanhava de perto a situação com a namorada Gabriela e entrou em contato com a Reitoria, parlamentares e imprensa. Após tentativas de uma resposta rápida, a aluna passou por cirurgia na última sexta-feira (11) e se recupera na companhia da família, em Itaqui.

Eu senti falta de um tratamento mais cauteloso, um carinho a mais com essas pessoas. Eu que estava ali, auxiliando, me senti muito à deriva. Como se nós precisássemos ser responsáveis por uma coisa que não é nossa totalmente. É da universidade também. Entendo toda a burocracia do hospital, mas tem coisas que podem ser agilizadas dada a seriedade do caso – avalia Guilherme.

Após duas semanas do acidente, as lembranças da tragédia e o luto ainda permanecem. Para Gabriela, a recuperação física não ameniza a tristeza pelas perdas:

– Fisicamente falando eu estou bem. Psicologicamente, a ficha cai volta e meia. Foi muito difícil a notícia dos óbitos. Primeiro, tivemos os números, depois os nomes. E por eu não ser tão frequente naquela turma, fazia poucas disciplinas com eles, eu não tinha intimidade com tantos colegas. Mas ainda assim, no momento em que saíram as fotos foi um baque, porque eu não conhecia aquelas pessoas profundamente, mas nunca mais vou ver elas. Independente da troca que se teve, é algo que me atinge muito.

O mesmo sentimento é compartilhado pela mãe, Silvana:

– Tem horas que a gente esquece do que aconteceu e tem momentos que aquilo volta com uma força que dói. Até eu saber que ela está bem, é um desespero. E mesmo tu sabendo que ela está bem, mas que ela presenciou uma tragédia que pode trazer trauma para ela, ou saber que tem uma família sofrendo, isso te dói. Tu sente um alívio, mas tu não consegue ficar feliz sabendo que outras pessoas não tiveram a mesma sorte de encontrar a filha e estar com ela em casa. 


O que dizem as instituições

Em entrevista coletiva na tarde de quarta-feira (16), o reitor Luciano Schuch disse que a UFSM está “fazendo tudo que é possível para atender cada um”. Na ocasião, o superintendente do Husm, Humberto Palma, também detalhou o atendimento às vítimas. Conforme ele, ainda no dia do acidente, a instituição iniciou a preparação do pronto-socorro para receber os pacientes que necessitassem de procedimento cirúrgico e realização de exames complementares. Na semana que sucedeu o acidente, o Husm entrou em contato com os 26 passageiros para solicitar que procurassem o local para uma reavaliação médica. Os que tiveram atendimento antes disso, foram orientados ao retorno.

Uma semana após o acidente, foi realizado uma manifestação em frente a reitoria da UFSMFoto: Beto Albert (Diário)

Questionado sobre a cobrança de um melhor atendimento aos sobreviventes, materializado em um protesto em frente a Reitoria, Palma falou que os procedimentos seguem o fluxo do Sistema Único de Saúde (SUS) e que a instituição tem se preocupado, dia a dia, com a recuperação dos pacientes:

– Quando decidimos que íamos chamar esses pacientes (para reavaliação médica), já é uma prioridade. A partir do momento que ele entra no hospital, principalmente no pronto-socorro, a prioridade é o risco. Ou seja, qual paciente apresenta mais risco? Aquele que veio com uma ambulância ou aquele que foi chamado para fazer uma segunda avaliação? Depois que ele entra, segue os fluxos do hospital. Eles estão em um momento de estresse e estão sendo vistos por muitos profissionais e com tanta informação, podem entender que estão desassistidos. É difícil falar de casos específicos, mas a proposta do Hospital Universitário é atender todos da melhor forma possível, de maneira humanizada.


Três passageiros seguem hospitalizados

Duas semanas após o acidente, três pessoas seguem internadas. Em Santa Maria, no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), está Terezinha Maria Vendrusculo, 60 anos. Já no Hospital Astrogildo de Azevedo, Fernanda Gonçalves de Menezes, 45 anos, recebe atendimento. 

Em Lajeado, Emerson Andrade dos Santos, 26 anos, segue internado no Hospital Bruno Born.


Saudade nos registros da viagem

De tempo em tempo, nas últimas duas semanas, César revisita a galeria do celular. Nela, estão os últimos registros da viagem. Desde que saiu da Venezuela com destino ao sul do Brasil para estudar, ele tem compartilhado a rotina nas redes sociais. Para Imigrante, não foi diferente. Com carinho, ele recorda do amigo Paulo Victor, uma das vítimas fatais do acidente.

Eu penso no Victor e lembro do sorriso dele. Era uma pessoa muito feliz e querida por todos. Nos últimos momentos, quando estávamos no ônibus, conversamos muita coisa sobre a vida. Ele tinha 27 anos, eu, 24.

César guarda no celular os registros com os amigosFoto: Thais Immig

Para César, os dias após o acidente foram de reflexão. O desejo é terminar o curso por ele e pelos colegas que não vão conseguir finalizar.

– Nós estávamos viajando, em um momento feliz, para comprar cactos e não chegamos. Então, é essa sensação de saber que a vida pode mudar em um segundo. E vem a tristeza também, por ter perdido colegas e um amigo que estava sentado do meu lado


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