Foto: Beto Albert (Diário)
O Silveira, cachorro que vive no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), conquistou as redes sociais e virou até o assunto mais comentado do Brasil no X (antigo Twitter) e até cão-propaganda. Mas, por trás das telas, não há glamour: o que se vê é a dura realidade do abandono — situação enfrentada por ele e por tantos outros animais que circulam pela universidade e pelas ruas de Santa Maria.
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Diferentemente da maioria, Silveira encontrou no campus da UFSM o mais próximo de um lar. Com cerca de 10 anos, vive há nove na universidade, onde recebe cuidados do Projeto Zelo e carinho de estudantes e servidores. Mas, muito além dos memes e fotos engraçadas, a fama do "Podrão" traz o alerta para a importância de discutir políticas públicas para os que, ao contrário dele, sofrem abandono, sentem fome e são vítimas de maus-tratos.
Conscientização
Em pronunciamento na Tribuna na sessão da Câmara de Santa Maria na terça-feira (27), o coordenador da Frente Parlamentar da Causa Animal, Luiz Fernando Cuozzo Lemos (PDT), disse que a visibilidade do cão Silveira, que estrelou a campanha do Ministério da Educação (MEC) de lançamento do Enem, também serve para a sociedade "atentar" sobre a importância de cuidar os animais.
– É importante destacar que toda essa mídia que o nosso Silveira traz é para também nos utilizarmos como uma forma de atentar para a importância de cuidar bem dos animais, de não cometer maus-tratos. A universidade tem um projeto (Zelo) de educação, que nós não confundamos com a mídia toda do cão Silveira: a universidade não é um depósito de animais, de abandono de animais – afirmou o vereador, frisando que a UFSM tem câmeras que flagram quem abandona animais, o que é crime.
À espera da Rede de Proteção Animal
O cachorro que foi "nomeado" pró-reitor de assuntos caninos da UFSM está sob a tutela do Projeto Zelo, responsável por cuidar dos cerca de 80 animais que vivem na universidade. Assim como Silveira, todos foram abandonados por lá, onde vivem até hoje à espera de um lar.
O projeto sobrevive com o apoio de voluntários e bolsistas da universidade, e os recursos chegam por meio de doações ou a partir de campanhas.
Aqui no município, são diversos projetos, ONG's, associações e protetores independentes que realizam o mesmo trabalho, e assumem de forma voluntária uma demanda que o poder público não dá conta sozinho.
Com orçamento de R$ 380 mil já aprovado pelo Ministério Público, a Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal de Santa Maria, ligada à Secretaria de Meio Ambiente, aguarda liberação do valor para colocar em prática a Rede de Proteção Animal — iniciativa pensada para fortalecer a causa animal na cidade.
A ideia da proposta é ampliar a rede de lares temporários, fornecer ração, coleira anti leishmaniose, vermífugo, medicações como antibióticos e anti-inflamatórios, entre outros produtos. Esse auxílio deve contribuir com ciclo de cuidado desses animais, que precisam ser resgatados e acolhidos até encontrarem uma família.
No entanto, o valor ainda não entrou nos cofres públicos. De acordo com a superintendente Jordana Beal, há expectativa de que o valor destinado ao projeto seja depositado nas próximas semanas.
— A conta está pronta, é só uma questão de trâmite financeiro. No momento que esse dinheiro chegar, o projeto entra em andamento. Já foi feito o Estudo Técnico Preliminar (ETP), que foi para a análise e, depois disso, iniciam-se as compras. Nós já temos os registros de preço do que vai ser solicitado, tem bastante coisa vinculada a ele (o projeto). Acredito que até o fim desse semestre já conseguimos resolver isso — explica.
Novos convênios
Em contrapartida, a superintendente comemora a assinatura de dois convênios recentemente firmados. Um deles, com o Hospital Veterinário Universitário (HVU) da UFSM, foi apresentado durante audiência realizada no dia 12 de maio no Ministério Público.
Na audiência, foi informado que o convênio prevê a oferta de 20 vagas mensais para atendimento de animais em situação crítica, vítimas de maus-tratos ou abandono com risco de morte. Os encaminhamentos para o serviço podem ser feitos somente pelas ONGs Associação dos Amigos Protetores dos Animais de Santa Maria (Aapasm), Clube Amigos dos Animais de Santa Maria (Caasm) e pelo projeto Somos PET e serão custeados pela prefeitura. Foi estipulado um prazo de até 30 dias para que o convênio seja assinado e passe a valer.
Já a segunda parceria envolve a Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm) e prevê a produção de ração para animais, com o apoio de detentos. O convênio está em fase de licenciamento ambiental e, assim que autorizado, permitirá o início das atividades na fábrica instalada na unidade prisional. A prefeitura será responsável pelo fornecimento dos insumos, enquanto a Pesm contribuirá com a mão de obra. Toda a ração produzida será destinada a projetos e a ações de proteção animal no município. No entanto, ainda não há uma data definida para o início das atividades.
Controle da população animal do município
Além do cuidado com animais em situação de vulnerabilidade, é fundamental investir em iniciativas que contribuam para o controle do nascimento de novos animais nas ruas e na prevenção de zoonoses, garantindo mais saúde tanto para os bichos quanto para a população.
Em Santa Maria, desde 2022, a prefeitura oferece os serviços de castração e microchipagem em fêmeas caninas e felinas por meio do Castramóvel que funciona, em um trailer fixo na sede da Secretaria de Meio Ambiente. O cadastro, disponível para famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), pode ser feito pela população por meio do site da prefeitura. Além disso, foi disponibilizado para três instituições protetoras (as mesmas envolvidas com o convênio com o HVU), o encaminhamento de animais errantes (aqueles que vivem nas ruas, sem um lar ou tutor), para realizar o procedimento.
Segundo dados da Secretaria de Meio Ambiente, somente neste ano, mais de 640 castrações já foram realizadas em fêmeas caninas e felinas. Recentemente, o contrato foi renovado e, agora, estão previstas mais 82 vagas anuais exclusivas para a castração de gatas.
Os machos também são atendidos pelo serviço de castração, mas o procedimento ocorre na Clínica Veterinária Sawas, que tem contrato com a prefeitura. Somente em 2025, mais de 100 cães e gatos já passaram pelo procedimento. Para ampliar o atendimento, um novo termo aditivo foi encaminhado, com aumento de mais de 20% no número de vagas destinadas aos machos.
Futuramente, a ideia é ampliar a rede de castração por toda a cidade, com o objetivo de facilitar o acesso da população.
— A ideia é setorizar de três a quatro clínicas em diferentes regiões da cidade, onde os animais (machos e fêmeas) podem ser castrados. Acredito que ainda este ano a gente consegue fazer o edital de credenciamento das clínicas veterinárias. Enquanto isso não acontece, os contratos (do Castramóvel) serão renovados, então, as castrações não irão parar - reforça a médica veterinária.
Cenário desafiador
Em Santa Maria, até o dia 21 de maio, a Secretaria de Município de Meio Ambiente (SMA) recebeu 279 denúncias no site da prefeitura — 89 delas referentes a maus-tratos aos animais (31,9%). O órgão é responsável por atender semanalmente as demandas do município em parceria com outras instituições, como a Polícia Civil e o Batalhão Ambiental da Brigada Militar.
Segundo dados da Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal, vinculada à SMA, a Polícia Civil, junto de médicos veterinários da prefeitura, já atendeu 53 chamados de maus-tratos neste ano. Já o Batalhão Ambiental, também com o auxílio da pasta, atendeu cinco casos no município — todos eles com prisão dos proprietários e multas ambientais aplicadas.
Há poucos meses à frente da pasta, a superintendente Jordana Beal relata que os casos envolvendo animais têm sido cada vez mais frequentes em Santa Maria.
— Está sendo bem desafiador, temos bastante demanda. A gente percebe que a causa animal vem crescendo e as pessoas estão mais conscientes em relação às denúncias. Estamos cada vez mais nos deparando com casos de abandono e maus-tratos, bastante trabalho mesmo — reforça.
Como denunciar
Site da prefeitura
Vá até santamaria.rs.gov.br/servicos-online, clique em “Serviços Online”, vá em “Denúncia - Meio Ambiente", e depois clique em "Denúncia de Maus Tratos" e descreva a situação e forneça as informações necessárias.
Polícia Civil
Através do registro de ocorrência ou link https://denmaustratossm.com.br/
Batalhão Ambiental
(55) 3221-7372 ou (55) 99442872 (WhatsApp)
O que pode ser considerado maus-tratos:
- Abandono
- Envenenamento;
- Mutilação;
- Agressão física;
- Corrente fixa e sem o vai-e-vem;
- Participação em rinhas (no caso de galos);
- Confinamento em espaço inadequado;
- Animais sem abrigo e fonte de água limpa e fresca;
- Animais doentes, sem tratamento veterinário e em condições insalubres, sem higiene;
- Cavalos sem água, alimentação adequada ou expostos ao esforço excessivo;
- Usar o animal em shows que possam causar pânico, lesão ou estresse;