
Foto: Reprodução (TV Diário)
Juiz Rafael Pagnon Cunha (à esq.) e coordenadora do CRM Luci Freitas (à dir.)
O Programa Jogo de Cintura realiza, ao longo dos últimos três meses, edições especiais para debater o fim da violência contra a mulher. O sexto episódio, que foi ao ar no dia 25 de junho, trouxe o seguinte questionamento: "as medidas protetivas são eficazes?" e foi apresentado excepcionalmente pela jornalista e apresentadora Kellen Caldas.
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Do debate, participaram o juiz Rafael Pagnon Cunha, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Luci Freitas, assistente social e coordenadora do Centro de Referência da Mulher (CRM) de Santa Maria, Daniele Missau Abelin, psicóloga que atua no CRM e também na assistência social do município, e Sandro Meinerz, delegado regional da Polícia Civil e professor universitário.
Além de reforçar a importância da medida protetiva, os convidados falaram sobre a atuação do centro de referência, o perfil do agressor e os tipos de violência mais comuns. Confira os principais assuntos abordados no programa:
Formas de violência
Engana-se quem pensa que a violência se restringe somente à física, que envolve agressões diversas. Também engloba a violência psicológica, patrimonial, ameaça, moral e sexual.
– Vale reforçar que não precisa de agressão física para pedir medida protetiva, não deixe chegar neste ápice. Qualquer situação que deixe a mulher desconfortável já é uma violência. Seja uma chantagem psicológica, perseguição, mesmo que aquilo não seja tipificado no código penal como crime. A medida protetiva é acatada da mesma forma – explica o juiz Rafael Cunha.
Importância da medida protetiva
Meinerz fala que as medidas protetivas são essenciais quando se fala em violência doméstica. Vale reforçar que, em casos de mulheres que tenham filhos, também é possível solicitar que essa medida se estenda às crianças.
– O grande desafio que enfrentamos hoje nesta etapa é o convencimento da mulher em acreditar no funcionamento do sistema. Às vezes, ela não registra a ocorrência com medo do que vai acontecer depois. Por isso, é importante reforçar a importância desse registro, do pedido e da celeridade no deferimento dessas solicitações – conta o delegado.
O pedido da medida protetiva de urgência pode ser feito após o registro da ocorrência policial. O delegado responsável encaminha a solicitação ao Poder Judiciário, que possui um prazo máximo de até 48 horas para deferir ou não. Na maioria dos casos, em Santa Maria, esse prazo é mais curto: o resultado pode sair em poucas horas. A vítima recebe o resultado da solicitação junto com informações sobre a distância de afastamento imposta, o prazo, entre outras orientações. O acusado também é notificado.
Em Santa Maria, segundo o juiz Rafael Pagnon Cunha, o prazo estipulado pela medida costuma ser de seis meses. Esse documento pode ser renovado pelo mesmo período, caso a vítima tenha interesse. Essas informações também estão descritas no despacho da medida protetiva feito pelo juiz, recebido pela vítima. Neste contexto da violência, a palavra da mulher basta:
– Quando a mulher busca ajuda e solicita uma medida protetiva, a regra é que ela faz isso de boa fé, até porque não é fácil enfrentar isso. A gente vê, no nosso dia a dia, que a maioria das mulheres tem razão quando faz o pedido da medida protetiva. Por isso, os pedidos são acatados.
Quando a situação envolve pessoas que vivem em um mesmo lar, a ordem é que o acusado saia do local. Mas o delegado regional Sandro Meinerz explica que, às vezes, devido à nocividade do caso, a vítima precisa ser retirada daquele ambiente:
– Em determinados casos, a vítima mora no mesmo pátio que o pai, a mãe, o irmão do agressor. É a família dele. Neste caso, ela que vai ter que ser retirada daquele local. Por isso que a medida protetiva também precisa ser fiscalizada, porque se não for efetiva, o que vem depois não tem resposta.
No Poder Judiciário da comarca de Santa Maria, as medidas podem ser deferidas em qualquer turno: manhã, tarde e noite. O juiz Rafael Pagnon Cunha conta que, atualmente, dois magistrados atuam em regime de plantão, justamente para acelerar esse processo.
Medidas mais comuns que podem ser solicitadas:
- Proibição de contato por qualquer meio (pessoalmente, redes sociais, ligações ou de forma indireta, por meio de amigos ou familiares);
- Proibição de aproximação do acusado com a vítima (neste caso, a Justiça estipula uma distância que precisa ser respeitada);
- Afastamento do lar por parte do agressor;
- Proibição de contato com os filhos (caso tenha).
Em caso de descumprimento da medida protetiva, que precisa ser denunciado, o acusado é preso em flagrante. Essa prisão pode ser pelo prazo de três meses a dois anos e tem caráter temporário.
– Ao sair da prisão, ele pode retornar ao local onde a vítima mora, conhece o ambiente dela, suas relações.... isso gera medo. Por isso, o Estado precisa ser firme em suas ações – pontua o delegado Meinerz.
Caso a mulher revogue a medida protetiva e deseje fazer um novo pedido no futuro, é possível. O processo seguirá o mesmo trâmite, sendo analisado pelo Poder Judiciário.
Papel do Centro de Referência da Mulher

Após o deferimento da medida protetiva, o processo é encaminhado ao Centro de Referência da Mulher (CRM), que tem como uma de suas atribuições fazer contato com a vítima, prestar acolhimento e orientar essas mulheres. O local atende vítimas com ou sem medida protetiva, e também presta esclarecimentos sobre as diversas formas de violência.
– Nos últimos 14 meses, tivemos 2.237 medidas protetivas que chegaram do Poder Judiciário. Nossa primeira tarefa é fazer uma ligação para as vítimas, ainda no mesmo dia, para ouvir o que elas têm a relatar. Neste contato, perguntamos como elas estão e ofertamos o serviço – conta Luci Freitas.
Outro grande desafio é evitar que a mulher revogue a medida protetiva. Os fatores que levam a isso são os mais variados: medo do julgamento de pessoas próximas, receio de retaliação, dependência emocional ou financeira, por exemplo.
– Um dos papéis do CRM, quando foi criado, é ser uma rede para essa mulher. E no caso da vítima, não há classe social ou bairro da cidade que seja mais comum, atendemos mulheres de vários lugares. Casos de relacionamentos de 10, 20, 30 anos, que ainda estão em um relacionamento ou que já terminaram o homem não respeita essa decisão. Um pouco de tudo, diferentes contextos. Não pode ter vergonha, culpa ou medo. Mas são desafios que ainda existem na nossa sociedade – afirmam Luci Freitas e Daniele Missau Abelin.
Serviços disponíveis no CRM:
- Atendimento e acompanhamento social, psicológico e jurídico;
- Aconselhamento em momentos de crise;
- Articulação e encaminhamentos junto a rede socioassistencial;
- Brinquedoteca: espaço lúdico para crianças, enquanto as mulheres são acolhidas no serviço;
- Fortalecimento e apoio por meio de atendimento individual e em grupos.
O fim da violência doméstica inicia na educação das crianças
Uma das políticas públicas de combate à violência a mulher é dialogar com o público em idade escolar. Para ensinar a uma criança como identificar os sinais de abuso, os livros podem ser aliados, como o 'Não me toca, seu boboca', de Andrea Viviana Taubman. Essa é uma das obras que já entraram em salas de aula de Santa Maria por meio do projeto piloto da Promotoria de Justiça Regional de Educação (Preduc) de Santa Maria. Além do trabalho lúdico de mostrar o que é e como evitar uma situação de violência, os adolescentes também participam de atividades e os professores recebem orientações.
A iniciativa é desenvolvida pela (Preduc) de Santa Maria, com a Promotoria da Violência Doméstica, Secretaria Municipal de Educação e 8ª Coordenadoria Regional de Educação em Santa Maria. Em 2023, escolas situadas em regiões com maior criminalidade e vulnerabilidade socioeconômica (a partir do programa RS Seguro) foram convidadas a participar. Nos últimos dois anos, professores passaram por formações sobre o tema e desenvolveram projetos junto aos alunos. Saiba mais clicando aqui.
– Sabemos que é um passo de formiguinha, mas precisamos iniciar pela educação. A escola é um meio social onde a criança vai formar, vai aprender muito... tivemos um acolhimento após a palestra, pois surgem muitas dúvidas e questionamentos. Acredito que é importante não somente para aquele menino ou menina entender do que se trata, mas também para transmitir esse conhecimento dentro do seu lar ou até para vizinhos – explica Daniele Missau Abelin.
Perfil do acusado
Há quem pense que o agressor é somente o homem que possui um perfil mais agressivo, explosivo ou até mais velho, ou seja, aquele "que dá sinais". Segundo o juiz Rafael Pagnon Cunha, ao fazer um recorte das prisões por violência contra a mulher em Santa Maria no ano passado, 34% dos presos tinham entre 26 e 45 anos. Somente 6% tinham idade superior a 55 anos.
– A violência doméstica não ocorre mais somente nas gerações mais antigas, está ocorrendo cada vez mais nas gerações mais novas. Por isso, o enfrentamento da violência deve ser multifatorial – pontua.
Outro fator reforçado é o nível de escolaridade desse agressor: homens com diferentes níveis de ensino estão dentro da estatística de Santa Maria.
– No Juizado de Violência Doméstica, já prendemos trabalhador informal com nível superior, médico, empresário, granjeiros, advogados. Também já decretei medida protetiva para juiz acusado de violência – conta Rafael Pagnon Cunha.
Um cenário recorrente nos casos de violência doméstica é a vítima ser descredibilizada após o seu relato. Aquele perfil de homem visivelmente agressivo não domina mais as ocorrências. A comunidade precisa estar atenta e dar valor para a palavra da vítima.
– A grande maioria dos casos atendidos são daqueles homens que possuem um perfil gentil, de bom marido, bom moço...não há mais aquele estereótipo do cara agressivo. E a mulher é taxada como louca. Escutamos muito isso de que os vizinhos não acreditam... mas o homem neste caso vai ser agressivo onde? É dentro de casa ou de formas mais sutis, é onde ninguém vê o que ele está fazendo, para não deixar à mostra. Porque ele é covarde. Nem sempre com agressões físicas, mas com chantagens e perseguições – alerta Daniele Missau Abelin.
Cenário de 2024 em Santa Maria
- 2.644 inquéritos instaurados por violência contra a mulher em Santa Maria
- Deste total, 1.875 medidas foram concedidas
- 81 prisões por descumprimento de medida protetiva foram realizadas
Perfil dos presos
- 18% tem até 25 anos
- 29% possuem 25 a 35 anos
- 34% tem de 26 a 45 anos
- 12% tem de 46 a 55 anos
- 6% tem mais de 55 anos
Cenário dos feminicídios em Santa Maria
De acordo com um levantamento feito pelo Diário em abril deste ano, sete mulheres foram assassinadas desde 2019. Os dados foram informados pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) do município. Os autores destes crimes foram atuais companheiros, ex-namorados ou noivos que não aceitavam o término e até o pai do filho de uma das vítimas. Relembre os casos neste link.
O último crime deste tipo foi registrado na manhã do dia 9 de outubro de 2024, quando Mariane de Souza Ravazi, 40 anos, foi morta à facadas no centro da cidade pelo ex-companheiro, que mesmo com as imposições da medida protetiva, continuava perseguindo a vítima. Ele está preso na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm).
No dia 1º de julho deste ano, Luciane dos Santos, 37 anos, foi morta com um tiro dentro de sua residência, na Vila Maringá, Bairro Diácono João Luiz Pozzobon. O suspeito do assassinato seria um homem de 42 anos, com quem Luciane mantinha uma relação recente. O caso está sendo investigado como feminicídio pela Deam.
Como pedir ajuda
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam)
Endereço da Deam: Rua Duque de Caxias, 1.159, Centro
Horário de funcionamento: de segunda a sexta, das 8h30min às 12h e 13h30min às 18h
Telefone: (55) 3222-9646 ou (55) 98423-2339
Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA)
Endereço da DPPA: Avenida Nossa Senhora Medianeira, 91, Bairro Medianeira.
Horário de funcionamento: 24 horas (inclusive finais de semana e feriados);
Telefone: (55) 3222-2858 ou por meio do 190.
Delegacia de Polícia Online da Mulher
(para registros de ocorrências e pedidos de medidas protetivas)
Acesse clicando neste link.
Em casos de emergência: acione a Brigada Militar pelo 190.
Assista ao programa na íntegra:
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