
Foto: Beto Albert (Diário)
A Catalise Administração Judicial, responsável por representar a Santo Entretenimento (dona da boate Kiss) no processo de falência, ingressou com uma ação contra a Netflix. O valor da indenização pedida gira em torno de R$ 66 milhões.
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O processo na esfera cível se deve ao fato de a administradora identificar que houve violação da personalidade, do nome comercial e da marca da boate na minissérie feita pela plataforma de streaming em 2023, que retratou como a tragédia ocorreu e deixou 242 mortos no dia 27 de janeiro de 2013. O recurso pedido pela ação indenizatória tem como objetivo ser repassado à massa falida, para o pagamento exclusivo de credores, a maioria vítimas do incêndio - aqueles que têm o direito garantido na Justiça a receber indenizações no processo falimentar.
– Pleiteamos a indenização da massa falida por danos morais e lucro cessantes. A Netflix fez uma série fictícia sobre a tragédia, mas modificou de forma fantasiosa os demais envolvidos, como a banda. A banda Gurizada Fandangueira foi retratada como Guapos Baladeiros, mas manteve o nome da boate, violando os direitos de personalidade da marca – afirma o advogado Fábio Cainelli, sócio do escritório e um dos responsáveis pelo processo.
Questionado sobre como esse valor de R$ 66 milhões foi calculado, o advogado explica:
– Como é uma plataforma de streaming mensal, calculamos o tíquete médio por série assistida, através de informações públicas da receita média mensal por assinantes, dividida pelo número médio de séries assistidas por usuário, e multiplicamos isso pelo número estimado de visualizações da série. Chegamos a um valor bruto estipulado, e desses 10% chegamos a R$ 66 milhões, aproximadamente.
A advogada Laura Meireles, integrante da Catalise, reforça a importância da busca pela reparação na Justiça das violações da marca e da imagem da Kiss. Será por meio deste processo que a administradora busca juntar recursos para realizar o pagamento das dívidas da massa falida:
– A busca pela devida reparação das violações legais à marca e à imagem da massa falida possui, no caso, um caráter jurídico legalista, mas também social, em razão de que os ativos de propriedade da massa falida (bens e direitos) arrecadados pela Administração Judicial serão utilizados para o pagamento dos credores no processo falimentar, que, em sua quase totalidade, são as vítimas da tragédia ocorrida na Boate Kiss.
Netflix se recusou a participar de acordo indenizatório
A Justiça havia acatado o pedido feito pela Catalise Administração Judicial, para uma mediação com a Netflix, que estava agendada para 18 de março, de forma virtual. Porém, a empresa de streaming se posicionou contra participar da conciliação. Na reportagem publicada pelo Diário no dia 11 de março, Cainelli havia comentado que o escritório estudava a possibilidade de entrar com uma ação judicial contra a plataforma.
A mediação está prevista na Lei Falimentar e funciona como uma oportunidade de "acordo amigável" entre as partes, para que os envolvidos cheguem a um acordo positivo para ambos. Neste caso, o objetivo seria tratar de uma tentativa de indenização por parte da Netflix.
Isso se deve ao fato de a Catalise identificar, durante o processo de levantamento de possíveis bens ou direitos no nome da massa falida, que a plataforma de streaming teria utilizado, de forma indevida, o nome comercial e da marca da boate na minissérie. Por isso, entrou com o pedido de mediação. O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) se posicionou de forma favorável na época pela mediação.
Posicionamento da Netflix
O processo foi movido no dia 28 de março e há um prazo para contestação, que ainda está vigente. Até o momento a Netflix não se manifestou sobre uma possível contestação. Procurada pela reportagem, a plataforma afirmou que "não respondemos sobre casos em julgamento."
Relembre o caso
Em julho de 2024, a Justiça de Pelotas decretou a falência da Santo Entretenimentos, conhecida como boate Kiss. Com isso, a Catalise Administração Judicial ficou com a responsabilidade de realizar o levantamento de bens no CNPJ da empresa, apuração de credores e realizar o pagamento das indenizações a quem tem direito. O cenário encontrado se resume a uma dívida milionária que passa de R$ 77 milhões, e a incerteza sobre os pagamentos.
Porém, não foram encontrados bens no CNPJ da empresa, ou seja, não há dinheiro para pagar as dívidas. No processo de falência, a prioridade são os créditos trabalhistas. Por isso, foi realizada uma apuração em relação a possíveis direitos que a Kiss possa ter com terceiros, para que possa quitar uma parcela dessas indenizações.
Foi nesta fase de apuração que a administradora, que representa a massa falida, solicitou à Justiça uma mediação com a Netflix, em razão da utilização do nome comercial e da marca da boate na minissérie.
Situação dos réus
Já na esfera criminal, os quatro réus Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão estão presos desde setembro de 2024. No dia 3 de março, a 2ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF) votou o recurso extraordinário sobre a validade da decisão proferida pelo ministro Dias Tofolli, que manteve a validade do júri da Kiss, por 3 votos favoráveis e 2 contra. Na sexta (11), o STF julgou recursos que foram movidos pelas defesas dos réus contra a decisão que manteve a validade do júri. Por maioria, o Supremo negou os recursos e manteve a decisão pela manutenção do julgamento de 2021 e das prisões dos réus.
Condenações:
Elissandro Spohr: pena de 22 anos e 6 meses (cumpre pena na Penitenciária Estadual de Canoas);
Mauro Hoffmann: pena de 19 anos e 6 meses (cumpre pena na Penitenciária Estadual de Canoas);
Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha: pena de 18 anos (ambos cumprem suas penas no Presídio Estadual de São Vicente do Sul).
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